quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Sete e Um


Cláudia Magalhães

Vivemos num mundo onde almas se procuram e quando se encontram morre parte do nosso céu ou inferno. Nessa oração, a vida nos aprisiona com o que nos resta dessas curas até o encontro fatal, derradeiro, que, independente de ser predestinado ou apenas uma questão de sorte, nos prova que estamos sempre em busca da morte. E foi num duelo com esta que conheci o riso e o choro, mas aprendi a não debochar.

O amor nunca me pegará! Esse pensamento me acompanhava desde a mais tenra idade. Na verdade, não queria conhecê-lo, pois sempre tive medo dos heróis, eles não são perfeitos e suas falhas me aniquilariam. Tamanho era o meu medo de encontrá-los ou reconhecê-los que passava grande parte do meu tempo dentro de mim. Em minhas tocas, em minhas esquinas, virei a morte dos humanos, a que vive onde a vida escarra. Seguia diante da vida impondo meus desejos de sangue e minha sede de saliva, mudando a realidade, moldando-a de tal forma que ela atendesse a todos os meus desejos. Eu, algoz e vítima, a todo instante me perseguia e, com medo do amor, acelerava o tempo levantando minha saia de solidão e revelando minhas vergonhas. Precisava enrubescer para me sentir viva.

Aos vinte e dois anos quando meu primeiro namorado, com um buquê de flores, pediu-me em casamento, meia hora depois desejei ardentemente que ele tivesse um infarto fulminante na hora do jantar. O segundo, quando eu tinha vinte e cinco anos, pediu-me em casamento e me entregou um jogo de panelas, imaginei ele, que tinha Hipsifobia, medo de altura, seguindo até a varanda do meu apartamento e se atirando do sétimo andar. Aos trinta anos, desejei que o meu terceiro candidato a marido perdesse a consciência durante sua caminhada matinal, enquanto eu manuseava com tédio o presente que acabara de ganhar, um álbum de fotografias. Aos trinta e três imaginei meu quarto pretendente, depois do pedido, morrendo com uma dor torácica ao tentar levantar o meu presente que estava sobre o meu tapete, uma televisão. Aos trinta e seis, enquanto eu estampava minha cara de tédio ao abrir meu presente, uma caixa com três perfumes doces, imaginei o quinto, que sofria de síndrome do QT longo, indo dessa para uma melhor, sofrendo um gatilho emocional ao conferir que acertara todos os números do bilhete da loteria que esquecera de apostar. Aos trinta e seis, imaginei o sexto, que sofria de Wolff-Parkinson-White, uma doença que atinge em média quatro a cada cem mil pessoas, morrendo por excesso de exercícios na bicicleta que me trouxera de presente e aos trinta e nove anos senti uma enorme felicidade imaginando meu sétimo pretendente morrendo com uma parada cardíaca depois de me presentear com um livro de auto-ajuda e não teria desfibrilador portátil, ressucitação cardiopulmonar e nenhum medicamento que o salvasse. Embora as situações fossem outras, as vítimas e o que tem dentro delas também, na hora do pedido de casamento sentia uma espécie de assombração por todos e assustada sempre dizia: Não! Ao desejar suas mortes não tinha o menor rasgo de sofrimento, pelo contrário, um enorme alívio me consumia.

O oitavo pretendente, depois de tomar uma garrafa de vinho, na mesma noite em que nos conhecemos, me pediu em casamento e, sem nenhum presente em mãos, aproximou-se com gestos rápidos e tirou minha roupa. Senti um tremor na alma que a cada olhar dele se emocionava e tentando recusar essa emoção perdi a lucidez. Lembro que em pensamento o chamei de irritante, vadio, louco, mas um turbilhão de sentimentos me invadiu, o que não ousaria resumir em uma única palavra. Entrei na mais perigosa fuga. Ali, num assalto do tempo ou num acordo cúmplice com a morte, o amor me alcançou. Feito flores "bocas-de-lobo" em meio a espinhos encheu-me de um carinho violento e passei a me sentir em perigo. Ele despertou a beleza e a ternura que me inquietava, penetrou minha carne seguindo o terço das emoções, rezou sobre meu sexo sem pressa, elevando sua temperatura tal qual um vulcão prestes a entrar em erupção e com seu líquido quente eletrizou meu corpo até as pontas dos meus cabelos, as raízes do meu tempo, de uma maneira tal que, naquele instante, eles pararam de crescer. Em seguida, levou-me até o inferno sem tirar-me do altar. Depois das horas de amor, o vi perdendo os sentidos. Em desespero, toquei em sua carne fria, em suas mãos roxas, em seu rosto distante dos sorrisos que exaltaram e iluminaram a noite. Diante da sua morte, pude ver o mundo faminto desde sua criação devorar-me, enquanto pessoas vestidas iguais me ofereciam flores sob murmúrios que exprimem grande devoção a dor ou total ausência desta, cheios de horror diante do infeliz destino da assassina, da desgraçada, da besta-fera, da que seria infeliz no amor até o momento da terra cuspir em sua cara. Com a dor fazendo ondas em meu peito, pensando em sua ausência, em sua carne apodrecendo, entrei em desespero! Foi preciso vê-lo frágil, fraco, ver a vida cuspí-lo para descobrir que ele pertencia à minha vida. Minutos depois, o perfume da paixão me subiu às narinas e me trouxe à realidade. Com grande alívio, observei seu rosto cheio de cor e o seu sorriso que antecipava as horas de prazer, as quedas livres do gozo e tudo o que até hoje me exprime ternura. O seu amor me torna invisível aos olhos da morte, ele disse feliz, como se lesse os meus pensamentos. Há dez anos ele repete essa frase e, nus, continuamos roubando os sonhos do mundo, nada mais justo quando se quer viver um grande amor.

24 comentários:

Gil Façanha disse...

Parece-me que mais uma vez sou a primeira a deixar o comentário...rsrs. Estou completamente arrepiada! Tão incrível busca inconsciente pelo amor!! Leio teus textos e sempre me emociono com o teu poder sobre as palavras. Sou tua fã incondicional. Sinto nesse momento, um sorriso na alma por ler-te mais uma vez. Parabéns Cláudia. Teu talento é um presente de Deus. Acredite. Só não sei se o presente é teu, ou nosso, teus leitores...rsrs. Um grande abraço e até o próximo texto.

Mme. S. disse...

Texto trágico mas cheio de esperanças. Como são a vida e o amor...
Resumo da ópera-rock: lindo Cláudia, parabéns!
Sheyla Azevedo.

Unknown disse...

Lindo conto, quente, vivo... e adorei o novo leiaute do blogue, bem agradável de ver. Beijos grandes!

The Prince disse...

é original, romântico, inteligente e muito bem organizado...mas onde nasceu isto? um conto é um '7' escrito assim: 'sete' .... parabéns pelo trabalho!

Luiz Lima disse...

Sete e Um, tal vez porque o oito (horizontal) simboliza o infinito, paixao = amor que a tudo move, o sol como as outras estrelas :-))
Parabens!!! Atè breve.

Gilmar Leite disse...

Belo texto Claudinha. Fez-me lemvrar um pouco Terezinha de Chico. Mas, com outra realidade e configurando outros corpos embalados nas trocas e nos devaneios da carne ardente da paixão desenfreada. Muito bom. Bjs

Sulla Mino disse...

Nossa Cláudia, maravilhoso! Que bela viagem fez meu pensamento...

Bjo Poético

Sulla Mino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luciene Danvie disse...

Seus contos são sempre tão envolventes: no desencadeamento das palavras, na narrativa, nas sensações... Tudo desdobrando-se.

Bjos

Zé Martins disse...

Quando vi o chamado para ler este conto, parei o relógio, entrei no carro e sair em disparada pelas ruas, palácios, bares, becos e vielas te procurando, eu queria parabenizar-te por mais uma obra prima, irmã, mãe, enteada, enfim uma obra linda, mas! Os bares e os palácios estavam fechados, os becos e as vielas abertos deixavam um vento frio passar levando a fumaça do óleo diesel... E o silencio arrebatou e levou o meu presente para me deixar vivo!

Bené Chaves disse...

Oi,minha querida:
Um texto poético, forte e ímpar!E sobretudo erótico. De um erotismo que beira ao desespero, ao infortúnio. E, depois, soberbamente, ergue-se na mais infinita razão do amor. Parece-me, enfim, vê-la em um palco a declamar e revelar desejos e inquietudes.
Você está de parabéns!

Um beijo teatral e cinematográfico...

Ranniery Sousa disse...

Que lindo Claudia! O arrepio aflora no meu corpo o que a alma tenta dizer. Suas palavras me inquietam e emocionam. Parabéns. Beijos!

Nivaldete disse...

expressionista, cru, veia sangrando... Um abraço, Cláudia.

Mirze disse...

Cláudia!

Perdi o fôlego! Maravilhoso conto onde entrei e mergulhei de cabeça.
Talvez por ser meio assim, mas não, é que seu modo de escrever envolve e é quase real. Único.

Parabéns minha amiga!

Adorei que tenha me enviado. Só me enriquece ler seus contos.

Beijos

Mirze

Anônimo disse...

"Sete e Um" confirma o seu talento. Você interpreta bem a linguagem dos sentidos e esse obscuro objeto do desejo.
Horácio Paiva.

Ana Carla Azevedo disse...

Minha gnt..é uma mistura de carnes, nua, crua, desejo, morte,7( o número perfeito - para o mal e para o bem - pecados capitais) desejo de morte, suor, ódio, rancor: as três partes do amor...
HUmanos, né...ou divinos, ao bel prazer de quem lê. Fico confusa e extasiada nesse seu mundo que me enlouquece. Por isso que te adoro tanto!Xerão..
P.s: Fazia tempo que eu naum vinha por aqui, questão de tempo mesmo. Mas expirei as dores da saudade ontem te vendo em Sant'ana.Bjos

Ana Carla Azevedo

Jaqueline Revorêdo disse...

Bela coleção de maridos rs
O pretendente seguinte é sempre melhor que o primeiro e ainda dizem que são todos iguais e sobre o primeiro amor que a maturidade desbota.

Rodrigo Dantas Soares disse...

Mais uma vez, de arrancar suspiros ! perfeito amiga !

Anônimo disse...

O poeta jarbas Martins está candidatando o seu colega João da Mata ao prêmio Nobel de literatura. Estamos em campanha!

João_Paulo1223 disse...

Todos se foram pelo coração, incluso o eleito. Coração com pão e manteiga, café sem açucar.

Bem bacana.

Gil Façanha disse...

Cláudia, vi no site dos Poetas do amor e da paz do qual também faço parte, que hoje é seu aniversário. Então, meus parabéns e desejo do fundo do meu coração que tua vida seja sempre iluminada. Admiro-te por demais. Um grande abraço.

Anônimo disse...

Temos um novo poeta erótico na praça. veja no Substantivo Plural. vai escandalizar as tias de Angicos.

Rosinaldo Luna disse...

Que doce e inspirado pesadelo. O amor é tudo isso mesmo, desse jeito mesmo, dessa maneria arrebatadora mesmo nos pega e nos faz cúmplice, refém. Assim mesmo nos faz desejar morrer, matar, gozar de amarmorrendode prazer. Ador os contos da Claudia. obrigado por masi este. Sucesso sempre.

Anônimo disse...

Amiga!
mais uma vez arrasou!
que orgulho de você
adoro a escolha das ilustrações!
pa-ra-béns!
Cris Reliê