quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Amor Meu

Cláudia Magalhães


Não sei o que é melhor, dormir ou acordar com o homem amado, penso ao velar teu sono, com a certeza que o amor não é um final feliz, mas o desejo de tê-lo, é a tua carne dentro da minha alma depois do gozo e tudo o que ela me diz no silêncio do teu sono tentando fugir do perigo, é a calma e a delicadeza que experimento no momento em que me dizes que não sonhas e com as pálpebras cansadas despede-se dos odores do amor, do gosto do vinho, da música suave, murmurando com ternura que não sabes se é melhor dormir ou acordar comigo e reforçando o laço que nos une, oferece-me teu ombro, onde fico até que o corpo exija que me afaste, mas não sem antes colar meu pé direito em teu pé esquerdo - talvez desejando que sob o encanto desse instante, algum milagre se manifeste sob nossos dedos e me leve contigo dividindo os mais doces prazeres pelos astros e estrelas - e assim permanecer até saber que já voas alto, sim, não sonhas porque sabiamente depositas com grande zelo no portal do esquecimento as lembranças do dia, cria asas e voas como uma ave aventureira, audaciosa, que desobedece à ordem habitual do mundo, observando os tesouros e as mazelas deste como quem gera a si mesmo, enquanto nesse instante, observando teu corpo morno e nu, não resisto ao desejo de acariciar tuas costas livres, asas da minha mente, e sentindo uma ternura que afasta qualquer violência, uma espécie de força singular capaz de destruir um exército de ladrões que por algum motivo queiram te roubar a paz, beijo tua nuca, murmuro em teu ouvido que te amo com paixão e com loucura, em pensamento desejo que voes bem alto, pois continuarei atenta, distante dos seres das trevas com suas inteligências desesperadas - a posse, a hipocrisia, o egoísmo, o rancor - que esses vermes que cortam o ar com suas línguas afiadas fiquem para sempre esmagados sob a terra, longe do nosso amor e dos nossos filhos, pois quero-te livre e sorrindo (quando vi teu sorriso pela primeira vez, te amei!), penso velando teu sono até as exigências do corpo cansado me fazer adormecer com o coração acordado, e assim permanecer até o meu despertar com o teu abraço repleto de carinho e desejo, e com um simples movimento de quadris recebo tua carne dentro da minha, arrastando o fogo que nos escapa feito fumaça pelos poros, pelo olhar, pela saliva, pelos sexos inchados, por cada parte do meu corpo dizendo que somente tu, amor, me enrubesce, me emociona, que nosso amor não rima com dor, que antes dele surgir em minha vida eu era pedrinha miúda, pisada, carne sem alma, sem rumo, sem destino, as linhas das mãos tortas, embaralhadas, meus pés andavam em desalinho, sem destino, em busca do nada, dizendo como eu quero que o nosso amor seja eterno, sem prazo pra acabar, sem hora marcada, e, por ser o amor tudo o que entra e sai, te vejo com um sorriso e com os olhinhos brilhantes entrar e se renovar em meu peito, em minhas pernas, essa cerca que queima, que arde, até me levantar da terra - sim, amor meu, nessa hora me fazes voar - e, com metade do sangue em meu sexo, meu corpo treme e me dissolvo em água, fazendo nesse instante, à minha volta, não existir mais nada além do enorme desejo de ficar a teu lado por seis eternidades e meia, e assim, com esse amor que não é dobrável, te vejo sair para o mundo com a certeza de que, sem trapaças, sem roubo, como um sábio conforto, possas recorrer a ele para dividir um sorriso pelos quatro cantos da terra ou um choro do qual te aliviarei distraindo teu coração com poesias regadas a vinho, filmes perfumados com temperos irresistíveis, músicas que te transformam em astro, viagens que nos façam sonhar acordados, com um sorriso que em silêncio te diga o quanto sou grata pela oportunidade de estar novamente a teu lado e ao fim de mais um dia velar teu sono, tentando descobrir os mistérios que envolvem teu corpo nu, pois observando-te dormindo, tentando te proteger de qualquer inimigo, tornei-me bela diante do mundo, que admirado em me ver envolvida por tamanha ternura, todas as noites me desafiando com o mesmo enigma - se é melhor dormir ou acordar contigo - me fez descobrir exatamente os riscos que me acompanham e que assumo, e que por ti, homem amado, através do teu sono, aprendi a entrar para dentro de mim, a não ter medo do perigo, e que por tudo isso, desejo que durma em paz, querido, porque juntos dormimos com o amor.