
Cláudia Magalhães
Seja bem-vindo! Estava em companhia da solidão com meus devaneios e delírios, mas sua presença trouxe grande conforto ao meu coração e tenho absoluta certeza que nosso convívio será bem agradável. Deixe o espírito livre. Leia com os olhos da alma. Livre-se de tudo o que causa novas formas de aprisionamento. Há ou não algum juízo no amor? Não fuja! Vamos, responda! Eles estão aqui em suas realidades de luz e sombra e interrogam cada um de nós.
Ela não dorme desde que nasceu. Ele, todas as noites, tem pesadelos. Quando acordados, são estátuas que sonham voando. Foram gerados num lugar qualquer, e como todo lugar no mundo, habitado por anjos e demônios. Estes, criados do excremento, andam nus, e por serem desprovidos de alma não sentem culpa, nem remorso. São superficiais, fúteis, carregam dentro de si o oco do mundo. Os primeiros, por lhes faltarem a carne, são dissimulados, hipócritas, gozam para dentro, sufocam-se com o próprio gozo para camuflarem suas fraquezas. Nenhum deles é a criatura perfeita que empresta graça e divertimento necessários ao jogo da vida. Falta-lhes o amor, que nesse caso nos provaria o equilíbrio de tudo o que há sobre a terra. Por isso, vez ou outra, um anjo nasce revestido da carne e um demônio descobre dentro de si uma alma. Foi o que aconteceu com nossos protagonistas, os primeiros a experimentarem esse sentimento feito de luz e sombra.
Eles se conheceram numa noite onde ninguém poderia roubar as vontades de uma lua grávida de desejos, nem esfriar os girassóis que buscam o céu. As estrelas, ansiosas para testemunharem o nascer do amor, trocavam incansavelmente de lugar, alimentando, até hoje, os sonhos dos que buscam a saliva que já tem a cor, o cheiro e a medida exata para fazerem ateus acreditarem no divino e que tornam mais escorregadios os dias. Eles se procuraram, se encontraram e se descobriram perdidos num sentimento, até então, sublime. Beijaram-se. Sentiram frio. Sentiram calor. E tudo sobre a terra parecia ter um fim, menos o sentimento que, naquele instante, fazia seus corações flechados doerem e, perdendo o fôlego, gemeram, sem entenderem ao certo o que queriam dizer. Com as carnes escancaradas, lambuzaram-ze, estouraram-se, fartaram-se de vida e tudo era suor, gemidos e paz do início dos tempos. Eram almas disparadas por todos os lados. Seus olhos carnívoros comiam o que de um subia ao céu e o que do outro caía sobre a terra. Exalavam amor pelos olhos, pelas mãos, pelos sexos inchados, descarados, vivos, e no vai e vem do amor, quando um saía do outro, tudo era fogo do inferno, assavam demônios e quando, novamente, se encaixavam, tudo era dilúvio, afogavam anjos e viravam pérolas no fundo do mar. Fartos no gozo deram risadas, sem perceberem que a carne quando ama torna-se transparente. Tudo no outro era tão urgente que ignoravam os anjos e demônios que habitam a terra e que, até hoje, morrem em vida por falta de amor, do perigo que estes representam e que uma imagem perfeita, sublime, despertam nestes os mais obscuros desejos.
Certo dia, enquanto ele observava maravilhado sua amada em sono profundo (depois que se conheceram ela passou a dormir e ele começou a sonhar. Coisas do amor...), aproximou-se dele a alma falsa de um anjo.
Anjo: O que você sente por essa mulher? - pergunta com voz doce, suave.
Ele: Amor...
Anjo: Ela, o que sente por você? - insiste.
Ele: Ela me ama.
Anjo: Tem certeza disso?
Ele: Eu sinto...
Anjo: Você é um anjo, ela é um demônio... Ela já foi por você contrariada?
Ele: Por que faria isso?
Anjo: Experimente dominá-la... Não permita que ela fique por cima na hora do gozo, só assim você poderá ter a certeza do seu amor.
E o anjo se despediu deixando nele um tormento e, com este, um enorme poder de imaginação. Ela despertou com o peso do corpo amado sobre o seu. Gostou. Amou. Sentiu seu corpo repleto de prazer molhar a terra. Depois de se deixar dominar por um tempo, tentou inverter as posições, mas ele a impediu com firmeza.
Ela: Por que quer me manter sob a tua sombra? - pergunta com doçura.
Ele: Você é uma mulher, portanto deve estar sob mim, suportar o peso do meu corpo.
Ela: Entendo que somos terra e vontades. Fomos criados do mesmo barro, por isso somos iguais. Vamos inverter nossas posições. Assim, seremos iguais em corpo e em alma - diz tentando, novamente, inverter as posições, mas ele a impede.
Ele: Sou um anjo e você, um demônio. Minha carne foi criada do pó puro e a tua, do excremento. Portanto você é submetida a mim.
Ela: Maldito! Mil vezes, maldito!, grita sentindo-se ferida, humilhada.
Terminada a discussão, desfaz-se o casal. Ela descobriu nele a vaidade de um anjo e ele encontrou nela o orgulho de um demônio. A dor contida endureceu seus corações deixando somente um enorme vazio, uma angustiante sensação de fracasso. O mesmo coração que amava, que tinha para o outro todas as atenções, todos os cuidados, criou, naquele momento, um jogo de ofensas que multiplicava as sombras da terra e o mundo perdeu a cor. Com essa competição transformaram-se em sanguessugas. Ela foi amar com os demônios, ele com os anjos. Colocaram-se nas mais humilhantes situações. Engoliam gozos que não lhes permitiam cantar depois, que lhes secavam a garganta e lhes abandonavam da própria imagem. Queimaram as flores, afogaram os desejos, ficaram fartos de solidão. Mas o ódio era apenas uma espécie de verniz sobre um amor sufocado que insistia em ficar e a vida já cansava seus corações. Passaram a procurar um pelo outro. Ele entrou no inferno, ela no Paraíso. Correndo na mesma velocidade, saíam de um para o outro, numa busca infinda, pois enquanto um olhava para o céu o outro mergulhava em águas profundas. Cansados daquela busca, recusaram-se a viver naquele mundo preto e branco, de outra forma que não fosse ao lado de quem lhes apresentou a poesia, a música e o lirismo. Saltaram da vida e viraram lenda. Depois de um curto momento de escuridão, encontraram-se parados, nus, flutuando no céu. Nunca mais seriam bonecos de barro, e sim, o Sol e a Lua. Mas o tempo do amor não perdoa as fraquezas. Eles não poderiam se tocar, nunca mais... Ele é o dia, ela é a noite. Ela voltou a não dormir e ele, todas as noites, a ter pesadelos. Descobriram, tarde demais, que não há beleza em ter defeitos, a única saída é sonhar que eles podem ser amados na dor, somente sonhar, pois há sempre uma luz para cada sujeira e tudo passa a ser verdade. Agora, somos do amor uma lenda. Os poucos anjos com carne e demônios com alma serão pequenos diante de nós, o amor será tão raro quanto um eclipse e todos aqueles que tentarem nos matar, morrerão, ela falou com tristeza.
Por isso, caro amigo, tenho os pés na lama, mas o olhar voltado para o céu. Quero os naufrágios e o fogo do inferno e não ser, simplesmente, um anjo ou um demônio. Não quero oferecer minhas misérias na correnteza da vida, nem guardar do amor somente gozos e suspiros. Mas, apesar de querer enfeitar minha vida e virar lenda, de querer o perigo para obter o descanso, pergunto-lhe, novamente: Há ou não algum juízo no amor?
39 comentários:
Esse texto é sublime, maravilhoso. Estou encantada com o que acabei de ler. Que bom que publicou algo novo! Há tempos venho aqui buscando a beleza dos seus textos. Parabéns e obrigada pelo presente em forma de texto.
Muito bom Cludinha. O lirismo suave e o prazer ardente imbricando-se no Ser duplo que se torna único no momento do gozo, rasgando a alma e aprofundo no corpo, tanto na luz como na escuridão...se vier um eclipse, será apenas um "lampejo" de tudo que aconteceu. Eu, estou bem... mergulhado de corpo e alma no doutorado. Beijos
Meu DEUS, que texto MARAVILHOSO,"Oh My God!" Extraordinariamente perfeito. Que mistura de prazeres, de fictícios...
Bjks,
Sulla Mino
Muito BELO!
Cláudia, o texto maravilhoso, propõe várias prerrogativas. Tentarei ficar ligada na principal:
Mas, apesar de querer enfeitar minha vida e virar lenda, de querer o perigo para obter o descanso, pergunto-lhe, há ou não algum juízo no amor?
No meu entender, quando há amor entre anjo e demônio, quando não importa qual o sexo que submeterá outro, assim como não importa a eloquência da paixão, desta forma e somente assim, jamais haverá amor.
O jugo e o subjugo, não fazem parte do amor.
O amor é tudo que liberta. Amar e saber-se amado é deixar livre a alma que se ama, porque se confia.
Bem não tenho a intenção de virar lenda, como esta tão bem escrita, ou como Zéfiro e Flora.
Por isto para mim, amar é alçar voos ao lado, sem o mínimo vestígio de domínio.
Belíssimo, amiga!
Beijos
Mirze
Os contrastes que nos formam! Belo escrito, nós, demônios, nos reconhecemos (eu pelo menos, kkk) Abraço
A mesma profundidade de sempre! De mim, a mesma admiração.
Bjos
Amor e Juizo .. dois opostos, água e fogo, luz e sombras! duas 'coisas' que são incapazes de se fundirem, porém se completam!
Mais uma vez um texto profundo e emocionante !
Arrazou no trabalho amiga !
Beijão !!!
Parabéns Claudia pelo bel texto! Não sou o Sávio de que deva conhecer, mas fica aqui minha admiração tbm.
Um abraço.
Sávio de Luna.
Acessei, li e reafirmo a admiração por seu talento. Belíssimo texto, carregado de referências à nossa tortuosa psique. Um abraço cinematográfico.
Ow mulher, vc sempre surpreende, saudade viu! saudade de suas gargalhadas, da sua presença e energia! saudações minha cara!
Cláudia, espero um dia ter essa visceralidade e essa intensidade na minha parca produção literária. que fôlego, mulher! parabéns e grande abraço seridoense!!
Cláudia,
é sempre bom estar próximo da beleza. Parabéns pelos belos e criativos textos.
Horácio Paiva.
Forte no conteúdo,delicado na forma.Desperta a atenção do leitor do princípio ao fim,mantando o clima de suspense e poesia sem perder o fio da meada,que é o conflito entre as emoções,os sentimentos próprios do ser humano contra algo maior que ele.Parabéns.
Maravilhoso
Intenso
Belo
Meus parabéns
Viver e amar é a medida e o lado da mesma moeda... A vida é uma tragédia, no melhor sentido e significado contido na palavra. Assim, eu penso e me conduzo... Querida e sangrenta poeta as suas palavras tricotam-se revelando nas entrelinhas a tragédia, a desmedidae e o furor. Bons ventos revelam sua fúria e canalizam sua ventania. Um outro lado, o que está por trás, o que se esconde em mim é espelhado no que leio e no que já bebi de ti. Luz nas trevas sublimes de sua criação literária.
Parabéns pela intensidade de seus textos.
"que amor tem sentido sem ter juízo?
que paixão é sincera sem o tesão que tivera?
eu prefiro amar loucamente, sentir o calor quente do tesão que me consome."
Parabéns, Cláudia pela inspiração e pelo lindo texto.
ps: vou dar mais atenção ao meu blog tb!!! kkkk
bjks
Lindo, só falta a trilha de jazz ao fundo!
Cláudia, vim retribuir a visita e gostei da delicadeza e do lirismo do seu espaço... Voltarei!
Abraço
Ada
Em relação à pergunta final: - Não, não pode haver! O Amor é como a Fé, às vezes, nasce sabe-se lá como e porquê; das outras vezes, é sempre a mesma coisa, mesmo quando se julga saber o porquê do seu nascimento. E então? Valha-nos a interjeição, dá um jeitão! Respostas melhores, só no Tarot, tirando à sorte... Bjão
Cláudia, seus escritos, como sempre, profundos de beleza, lirismo, poesia e muita verdade!!! A cada nova leitura, ou reeleitura, encontro-me em largos espaços dos seus textos. A finalização que concretiza tal enredo é tudo que grito ao mundo...
Seria maravilhoso se as pessoas descobrissem em si o anjo e o demônio que lhe habita, ciente de que encontrará noutro ambos...Viver a intensidade e o momento que cada um se reveste de desejos e calmarias...Não apenas sobrejulgar ou condenar almas e corpos que buscam a forma de entregar-se em busca do conjunto felicitatório do que seja o amor!!! Afinal, conceituar ou limitar o amor ofertado pelo outro mediante aquilo que melhor lhe convêm, acredito eu, não ser a forma mais certa da entrega do Ser...E, assim, finalizo parabenizando-a por mais esse belo trabalho e dizendo que a cada dia um novo tempo me mostra descobertas cintilantes e esquecimentos enriquecedores.
Cheiros e abraços carinhosos.
Rachel Rabelo
Cláudia, seus escritos, como sempre, profundos de beleza, lirismo, poesia e muita verdade!!! A cada nova leitura, ou reeleitura, encontro-me em largos espaços dos seus textos. A finalização que concretiza tal enredo é tudo que grito ao mundo...
Seria maravilhoso se as pessoas descobrissem em si o anjo e o demônio que lhe habita, ciente de que encontrará noutro ambos...Viver a intensidade e o momento que cada um se reveste de desejos e calmarias...Não apenas sobrejulgar ou condenar almas e corpos que buscam a forma de entregar-se em busca do conjunto felicitatório do que seja o amor!!! Afinal, conceituar ou limitar o amor ofertado pelo outro mediante aquilo que melhor lhe convêm, acredito eu, não ser a forma mais certa da entrega do Ser...E, assim, finalizo parabenizando-a por mais esse belo trabalho e dizendo que a cada dia um novo tempo me mostra descobertas cintilantes e esquecimentos enriquecedores.
Cheiros e abraços carinhosos.
Rachel Rabelo
Cláudia querida, o que dizer, diante de tão sublime sentimento? que transborda com verdadeira emoção. Tudo que li é tão verdade; transcende, não importa em que idioma, em que cultura: é assim o amor: contraditório,forte, agressivo, dorido, ufano e profano,sem título, pagão. Assim é o amor, para cada um. Não importa em que idioma ele se diz presente. O amor é uma interrogação permanente: anjo ou demônio? E aqui, teço um comentário verdadeiro sobre o que li e afirmo: sou tua fã, sim! Tua leitora, tua seguidora; ávida, por aprender contigo a arte de decifrar o amor. Grande beijo. Um abraço bem apertadinho. Obs.: Sou tu fã, querida; tua leitora desde tanto tempo...
Eu já havia passado por aqui, querida Cláudia, mas havia tantos e tão bons comentários que achei dispensável acrescentar o meu e tentar dizer algo 'novo'. Vou lembrar só isto: a mulher do seu texto carrega a força do mito de Lillith (A Lua Negra). Forte,'perigosa'. Consome, em vez de ser consumida, digamos, no banquete do amor... Parabéns!
Beijos!
E você, é anjo ou demônio?
Amor com juízo não existe. Sabe que esse final me lembrou o filme "O feitiço de Áquila"?
Beijos.
Olhe eu aqui de novo! Pois é, minha amiga, entre anjos e demônios vivemos todos nós. Uns mais fartos, outros menos.
O seu texto encanta também pelo jogo de sexos opostos, porque nos meandros do sofrimento e nas agonias do prazer a dor que dói não é a do ódio, é a dor do amor!
Um beijo encantado...
Cláudia,
Não vou repetir o aqui tantas vezes reafirmado, senão direi da força do texto que deixa feito carrapeta a cabeça de quem o lê.
Um abraço,
Rizolete Fernandes
Liiiiiiiiinnnndddddôô!!!!!
PASSEI PRA REAFIRMAR SOBRE SEU LIVRO..VOU FAZER SIM ...BJO.ALEX
Claudinha, adoro seus contos. Parabéns por mais um belo texto. Sou seu fã.
PARABÉNS... Acho muito instigante tudo isso... universo fascinante!!
Querida Claudinha,
Lindos textos. Ja era seu fã anonimo. Agora assino e dou fé que seus contos são lindos. Belos contos de uma linda mulher .
Abarção
Seus textos maravilhosos como sempre!!!
PARABENS!!!
vc sabe que já tive o privilégio
de fazer um trabalho com texto seu ...
que pra mim foi uma honra, o texto é lindo ...
mil beijos de felicidade pra vc!
Vamos então transformá-las? O seus textos já gosto faz tempo. Beijos
Oi, amiga: passando aqui pra saber notícias suas. E tb novidades. Andas sumida, não?
Um beijo presente...
Que feliz!
Parabéns.
Pá - Lavrar
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Cláudio Damasceno
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