sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A queda dos Anjos

Cláudia Magalhães


Morrerei, pontualmente, às dezoito horas. Hora da queda dos anjos quebrando suas máscaras, fazendo uivarem os lobos da terra. A minha alma branca, mistura das cores e manchas do meu passado, partirá vendo o Sol, com seu hálito quente, levantar a saia da Lua e entregar-lhe os desejos da saliva do dia, fazendo-a parir estrelas.
Não! Não faço uso do deboche, nem perdi o juízo, aceito minha loucura e por isso considero-me são. Vivo de saudade e de milagres e afirmo que, pontualmente, às dezoito horas, soltarei a vida e descobrirei caminhos ocultos. Na companhia de uma bebida qualquer, papel e caneta, escreverei a última palavra do meu último verso, e nesse instante, Ela chegará com o seu amor hipnótico, me beijará apaixonadamente até que eu perca os sentidos. O meu corpo em riso libertará minha alma com tamanho desprendimento que faria chorar a mais terrível das criaturas. Em seguida, a seguirei devagar, sem nenhum alarde, pois assim fazem os que sabem morrer.
Ah, Morte amiga! Amiga eterna! Razão da nossa infância, mocidade e velhice. Testemunha única e silenciosa de todos os nossos atos, sem perdão ou punição. O que eu era antes da tua existência? Loucura minha... Tudo nasce e morre, menos você, única certeza, presente ou ausente. Desde que você levou o meu amor, há seis meses, aguardo a sua chegada feito um morto-vivo. Quantas milhares de alegrias eu tinha e em todas ela estava presente! Vem, afasta-me dos cansaços da vida e deixa-me beijar aquela que amo e que, agora, veste-se de asas e desejos que fogem da terra. Leva-me docemente ao seu encontro, deixa-me dançar em seus braços e, juntos, amar a tua simplicidade sobre uma estrela qualquer. Faremos amor sem os limites da carne, somente o comando das nossas vontades em febre sob o teu perfume de flores. Se bater em nossos corações alguma tristeza, não há de ser nada, é a dor da ausência indo embora. Deixa-nos chorar por alguns instantes, vista-nos de sonhos e depois por ser você a solidão, essa enorme vontade de ir, nos esqueça. Seremos, então, inspiração para os poetas, bêbados e loucos, únicos que sabem amar com dignidade. Ah, espera! Doce e amarga espera! Adeus!

Ele abandona a caneta sobre o papel, transpira muito. Com o coração explodindo na garganta observa, finalmente, o relógio da parede marcar, pontualmente, dezoito horas. A ansiedade em sua alma é tão grande que lhe causa dor física. Abre a gaveta do velho birô de madeira e, segundos depois, ouve-se o barulho do tiro.
O fim tão desejado não veio de lugar algum. A queda violenta fez nuvens pesadas e cinzentas esconderem as estrelas, trazendo a chuva que, nesse momento, para muitos, não é bem-vinda. Estava derrotado por completo. Nenhum canto de amor, nenhuma posse ou território marcado, somente uma eterna agonia solta pelo espaço e que, a todo instante, pousa na terra que apaga as pegadas e guarda a verdade da carne, o pó, e a verdade dos homens, o tudo e o nada, provando que mesmo sem a sua existência ela continua a girar.

6 comentários:

Cefas Carvalho disse...

Lindo e lírico, amor meu. Parabéns. E como não imaginar uma pintura de Chagall (com seus eternos anjos e casais voadores) ilustrando o conto? Beijo.

Moacy Cirne disse...

Com certo atraso, minha cara,
quero lhe parabenizar pela carta divulgada.
Vou ler o seu conto, agora.

Um beijo.

Luciene Danvie disse...

Para beber: Seus textos são sempre taças de vinho.

Bjo

Gil Façanha disse...

Que lindo... Seus textos são pura inspiração.

Priscila Lopes disse...

Ah, Claudia, gostosos seus contos. Li alguns; outro dia volto.

Um abraço.

Jonathan disse...

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