sábado, 14 de junho de 2008

Pássaro ferido

Cláudia Magalhães


Antes de começar a narrar minha história, darei a mim, o nome de Clara. Não quero manchar o meu nome verdadeiro, nem comprometer a minha família, com os tristes acontecimentos que descreverei a seguir.
Era uma madrugada de sexta-feira, cerca de uma hora, quando decidi violentamente sair de casa, depois de mil ofensas trocadas com o meu marido, que chamarei de Pedro, pelo mesmo motivo acima citado, jurando não mais voltar. Vivíamos uma relação de agonia e êxtase, um sentimento tão forte no amor como no ódio. Prefiro mil vezes o inferno do que viver com a triste lógica desse amor, foram minhas últimas palavras antes de bater a porta do apartamento.
Depois de andar, por horas a fio, sem rumo, levando dentro do peito um sentimento que serve a Deus e ao Diabo, sentei no meio fio de uma rua qualquer e me entreguei a dor de algo, que é grande demais para não ser triste, na esperança de ser salva por um anjo do céu ou do inferno. Buscava a mim mesma. Como todo ser humano, sou feita de vontades, e o meu maior desejo, naquele momento, era o de me entregar às paixões, sem me preocupar aonde elas me conduziriam. Observei a rua deserta, tentando descobrir aonde estava. Era um beco sujo, cheio de lama.
Um pássaro amarelo pousou no meio da rua, enaltecendo ainda mais a crueldade do lugar. Ao vê-lo, me senti tão livre, tão dona das minhas vontades... Fechei os olhos e voei por alguns segundos... Ao abri-los, vi a pequena ave com uma barata no bico e a liberdade que senti cedeu lugar a uma forte náusea. Logo acima, no telhado, um gato preto soltou um grunhido assustador para, em seguida, pular em direção ao pequeno ponto amarelo, abocanhando-o pelo pescoço, até tingi-lo de vermelho. E de telhado em telhado, ganhando mais uma vida, sumiu pelo beco até confundir-se com a escuridão. Nesse instante, escutei o som de pisadas fortes. Um homem grande, forte, vestido de negro, aproximava-se rapidamente de mim. Da sua cabeça saía uma luz incandescente, avermelhada. Senti o meu corpo gelar. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, ele puxou com força os meus cabelos e me provando a existência do Diabo, serviu-se do meu corpo. Um espinho entre as minhas pernas me provocou muito frio e muitas dores... Vi a luz fugindo de mim...
Despertei com o barulho de vozes estranhas. Depois de algum tempo, um homem de meia idade, gentilmemte, me levou para casa, para o meu pequeno céu, onde Pedro, o meu anjo, me acolheu com um forte abraço. Ele também sangrava, mas juntos, com ternura e paciência, curamos nossas feridas.
De vez em quando, penso naquele pássaro ferido e nele vejo refletida a imagem da Clara do beco escuro, cheio de lama, uma Clara cheia de orgulho e caprichos, uma Clara que teve as asas quebradas, que naquela noite, virou somente um ferimento aberto, fétido, escorrendo pus. Ela foi morrendo com o tempo, e depois de morta virou santa. Ainda tenho muitos becos escuros a percorrer. Meu sangue tem muito de lama. Ela sabe disso e do seu altar, hoje, opera em mim grandes milagres.

6 comentários:

Cefas Carvalho disse...

Com paraísos perdidos e pássaros feridos, vc começa a construir uma obra consistente e lírica. Continue assim, minha linda! Beijos!

MPBECO disse...

Ótimos textos, Cláudia, parabéns.

Oswaldo

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Cláudia, li o conto com atenção e gostei. Continue produzindo para o bem da nossa cultura. O blog tbm está bacana. Felicidades e forte abraço.

Unknown disse...

Gente eu adorei!!!!!Senti todos os medos e angúsitias da personagem, lendo esse conto....pássaro ferido...é bom qdo o leitor consegue adentrar no universo da personagem e viver um mister de emoções!!!Adoro vc...vc é luz p mim!!!xerãoooo Clau

Unknown disse...

adorei,amigo modesto,a reciproca é verdadeira sucessos hje e sempre da amiga,célia souza

Unknown disse...

parabéns pelo texto,pois o mesmo
mostra
o mundo em q vivemos,os anjos e o diabo
vai em frente garoto.