terça-feira, 3 de junho de 2008

Paraíso perdido


Cláudia Magalhães


Um velho sobrado com paredes e teto de vidro. Ao redor, árvores altas, frondosas, em meio a inúmeras folhas secas que completam o cenário sépia, banhado pela luz da lua e do Sol que se despede deixando no ar uma aura de tristeza, de melancolia.
Ao adentrarmos no teto de vidro, observamos uma mulher, Dolores. Os seus olhos olham fixamente para o homem com os pulsos cortados, sentado numa velha poltrona a seu lado. Pedro, seu grande amor. Ele foi embora, deixando um olhar sereno, doce. O amor dorme ao sabor dos ventos e seguindo os caprichos de Deus ou do Diabo ele pode dormir no céu e acordar no inferno, ela pensa, imóvel, sentada sobre o chão frio. Nenhuma lágrima. A dor velha, agora, flutua de mãos dadas com a loucura e sente-se feliz. Seus olhos cansados comprovam as inúmeras noites em claro em que andou pela casa como uma morta viva. Desvia o olhar e observa sobre a mesa, o pequeno aquário, que ganhou no início do relacionamento, com dois peixinhos, um azul e um vermelho. Eles são parecidos conosco: o azul é você, tranqüilo... e o vermelho sou eu, afogueada, acelerada.... disse, certa vez, com alegria. Eles se amavam demais. Era um amor forte, belo, verdadeiro... O paraíso. Fugiam de tudo e de todos, eles se bastavam. Caminhavam sempre juntos, ela com o pé direito sobre o pé esquerdo dele. Comiam do mesmo prato, bebiam do mesmo copo... O amor perfeito... Perfeito demais...
Até que veio o medo quase incontrolável da perda e passaram a cobrar provas constantes de amor, no início controláveis, depois perderam o freio. O amor estava ameaçado... Descobriram o inferno... A casa perdeu o perfume, ficou fétida, as paredes mofadas de lágrimas virou um ninho de vermes. Os pés, que antes flutuavam em perfeita sintonia, agora, andavam grudados no chão com suor e saliva onde se arrastavam cobras com línguas afiadas e gargalhadas alucinantes... Deitavam, todas as noites, com as mãos entrelaçadas sobre o peito, feito cadáveres. Adormeciam e acordavam na mesma posição. Dormiam a noite inteira e amanheciam com olheiras... Não tinham sonhos.. Até que passaram a não dormir mais...
Dolores aproxima-se de Pedro, segura o seu pulso esquerdo com as mãos, leva-o até a boca... Como é doce, pensa. Fecha os olhos e lembra dos últimos momentos com o seu amor:
- Antes de você, eu só fazia envelhecer. Você trouxe a vida e a partir desse momento eu só desejei a morte. Você entrou por uma porta que eu não sabia existir. Vi o teu amor se aproximar e entrar em mim com a ternura de uma lâmina afiada. Sangrei e chorei. Quanto mais aumentava a tua doçura, mais eu me cortava. Quanto mais eu sangrava, mais eu te amava. Queríamos o céu e entramos no inferno. Cortamos os pés com os restos de nossas vidas e nos mutilamos com as nossas mãos de céu... – ela disse com tristeza - Estamos diante do abismo, em busca da morte...
Silêncio.

- É o que você quer? – ele falou com ternura.
- É o que eu mais desejo.

Ele se levanta num impulso violento. Com passos largos, segue em direção ao armário da cozinha e retira de uma das gavetas uma faca. Ela o observa com as feições e a postura de quem ama demais, característica essencial para as maiores desgraças. Ele volta à sala e corta, sem titubear, os pulsos. Ela sorri agradecida.

- Eu te amo, Dolores... Acredita em mim?
- Sim, eu acredito...

Ele se foi provando o seu amor. Sentia-se, novamente, feliz e amada. Ela levanta, segue em direção ao velho baú e retira uma corda. Volta à sala e com a ajuda de uma cadeira, prende-a num lastro de madeira do teto. Vê o seu corpo tingir-se de vermelho. Enlaça a corda no pescoço e joga-se no abismo como quem deseja voar... Sente o coração acelerado livrar-se das dores e das saudades... Nada mais importa, os peixes do aquário estão mortos.

6 comentários:

Unknown disse...

Claudinha tudo bem? beijos... apareça aqui!!

Cefas Carvalho disse...

Ler seu texto é como estar no paraíso, um paraíso sofrido e lírico. Estar com você, é estar no paraíso, e que seja assim por seis eternidades e meia. Parabéns pelo texto. Te amo!

Unknown disse...

Affff maria!!!!!!!!Claudia magalhães que texto é esse bicha?!!!!!!Estamos aqui passdas(eu e Jori)...abobalhadas com a profundidade das palavras...gnt..eu sofro mmto com esse tipo de texto, pq eu me transporto pra situação e choro lágrimas de sangue, mas até que o personagem!!!!


Enfim...TODOSSSS SÃO MAGNÍFICOSSSS....NAUM TENHO OUTRA PALAVRAAAA...QUE DEUS CONTINUE DANDO MTA ILUMINAÇÃO P VC..E QDO VC LANÇAR SEU LIVRO DE CONTOS, ME AVISE, EM NOME DE JESUS...

OBS: JORI FOI PEGAR UMA CORDA!!!BJOSSSSS

vagabunda poesia disse...

Estupendo...

Rodrigo Soares disse...

Sem comentarios!

Jaqueline Revorêdo disse...

O quadro do Paraíso Perdido é multiplo, possui muitos olhares em tons fortes. parabéns! Beijo.