quarta-feira, 16 de julho de 2008

O Jantar

Cláudia Magalhães


Minha pequena lua, ele dirá sussurrando ao meu ouvido, sob o som sensual de Guess who, de B.B. King. Alguém, realmente, te ama... Quem será?, perguntarei e ele me responderá com um sorriso tão doce e tão suave quanto o vinho... Interrompendo e excitando o tempo, tão veloz quando encontra a paz, jantaremos a luz de velas... Com a confiança de um amor invisível aos olhos da morte, faremos amor com o céu ao alcance das mãos e comeremos estrelas...
Pensava em como seria maravilhosa aquela noite, enquanto caminhava ansiosa para casa. Comemoraríamos seis anos de casados. Como eu o amo, pensei apertando a aliança entre os dedos. Senti uma forte pontada no peito ao lembrar das ofensas trocadas na noite anterior. Foram juras de ódio eterno em meio a garrafas vazias, copos quebrados e dor, muita dor... Juro pela minha alma que a partir desta noite a minha boca me será fiel. Essa noite, com um delicioso jantar, arroz com frutos do mar, que ele adora, vou agradecê-lo pela dedicação, amor e carinho de todos os dias... Sempre que brigamos, eu faço um jantar especial e rapidamente fazemos as pazes... Sempre foi assim... Trocaremos inúmeras declarações de amor e caminharemos juntos, sem competição, na mesma velocidade, como quem segue a própria imagem num espelho..., pensava enquanto abria a porta do apartamento. Um vento forte e frio interrompeu os meus sonhos. Um cheiro insuportável, de algo ameaçador, me causou um forte calafrio na espinha. Corri a passos largos em direção ao nosso quarto. Abri o guarda-roupa do lado direito. Vazio. O meu corpo foi tomado por uma paralisia horrível. Imóvel, senti o meu coração agitar-se, violento, imenso em meu peito...
Desde esse dia, existe uma eternidade entre os segundos. O tempo é muito lento ao lado do tormento. Sou mais uma vítima que o monstro do amor devorou. Não encontro saída. O meu sangue virou um mar de lágrimas. A minha alma, flutuando sobre ele, ferida, grita a todo instante: Mate-o! Mate esse maldito amor! Sinto uma vontade selvagem de matá-lo, mas quanto maior é a minha vontade, maior é a saudade que sinto do que se foi e do que não vivi...
O que me resta dizer? O meu amor me fez comer estrelas. Hoje, tenho verrugas no coração.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Meia-noite

Cláudia Magalhães


Meia-noite. Desde que você partiu levando o Sol, é sempre meia-noite. Todos os dias, na beira do abismo, entre a carne e a sombra, como os poetas, os bêbados, os loucos, eu te procuro, amor. Você nunca saiu do meu pensamento... Quantas lágrimas... Quanta dor... Não te peço pra voltar. Hoje, não te quero mais. Quando você partiu, amaldiçoei a minha vida. Em desespero, a solidão arrancou a minha língua, mas não calou os meus gritos. Sem suportar o peso da saudade, essa maldita ferida do amor, o meu coração parou de bater. Parado em minhas veias, o meu sangue, louco, fazendo-se de tinta, escorre pelos meus dedos e reinventa a vida sobre o papel. Nessa batalha contra a morte, busco nas palavras, alguma idéia que acalme o meu medo, quase insuportável, de morrer. E escrevendo eu te reencontro, amor... Brincando de ser Deus, crio um mundo onde você não é capaz de me dar adeus, de ir embora. Nesse mundo de milagres, não existe o certo, nem o errado. Encharcado de sangue, suor, saliva e vida, te faço meu herói. Queimo o teu corpo. Em seguida, mergulho as tuas carnes em minhas águas profundas, até você morrer, ressuscitar e, novamente, me ver chorar... Chorar pelo sexo como faz toda mulher diante do amor...
Não! Não precisa voltar! Hoje, aprendi a te amar... Entre o mundo definido e o indefinido, eu te perco e te reencontro, sob o comando da voz louca do meu cérebro que, sem juízo, entrega-se com violência ao que me resta: escrever, escrever, escrever...